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Sem efeito prático aparente — já que, caso aprovado, virá apenas reforçar as condições de inelegibilidade previstas na Lei da Ficha Limpa (lei complementar nº 135/2010) e absorvidas pela legislação municipal com o intuito de disciplinar as nomeações para cargos em comissão na Prefeitura e na Câmara –, o projeto de emenda à Lei Orgânica Municipal (LOM) apresentado pelo vereador Anselmo Neto (PP), para tornar a lei mais explícita quanto às hipóteses em que a nomeação para cargos públicos é vedada, tem o mérito de colocar em evidência um defeito grave da política brasileira e, em certa medida, da própria sociedade: a tendência a acreditar que só os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito são graves e devem ser punidos.

Esse equívoco já comprometeu a eficácia da Lei da Ficha Limpa, atenuada pela polêmica alínea “l”, cuja redação manteve o caminho das urnas desimpedido para uma parte dos condenados por improbidade administrativa, ao condicionar a inelegibilidade à condenação por “ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito”.

A exigência de dano ao patrimônio e enriquecimento ilícito (note-se, não uma ou outra coisa, mas ambas, já que o redator dispôs entre elas a conjunção aditiva “e”) é que tornou possível a pessoas condenadas por improbidade em órgãos colegiados, como os Tribunais de Justiça, terem suas candidaturas validadas nas últimas eleições.

A distinção entre duas formas de improbidade — uma supostamente mais branda que a outra, como se houvesse improbidade light — é uma aberração moral e jurídica.

Em termos muito palpáveis, ela estabelece uma salvaguarda para o mau administrador — aquele que não respeita as leis e os regulamentos, que subordina a máquina pública a seus caprichos, que despreza os mecanismos criados para garantir os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Ao preconizar esses princípios para a administração pública, a Lei Maior não os graduou segundo seus efeitos mais ou menos nocivos. Eles devem ser respeitados, e só.

Improbidade, traduzindo em miúdos, é desonestidade. Uma pessoa ímproba, segundo todos os dicionários, é uma pessoa desonesta.

E quem é condenado por ato de improbidade administrativa pode até ser honesto em sua essência, mas em pelo menos uma de suas ações cometeu, no entendimento da Justiça, um deslize ou ilegalidade que pôde ser enquadrada como desonestidade nos termos da lei específica (no caso, a lei federal nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa).

Não há que separar o que causa dano financeiro do que não causa, o que enriquece do que (supostamente) não enriquece: todos os que agem conscientemente contra a lei são inadequados e potencialmente perigosos para a administração pública.

É importante ressaltar, a propósito, que embora a Lei de Improbidade Administrativa estabeleça distinções entre os atos que importam enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou simplesmente que “atentam contra os princípios da administração pública”, as penalidades previstas para estes últimos são pesadíssimas, podendo levar, conforme a gravidade, a perda de função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos e pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente público.

Admitir que possa existir uma forma de desonestidade inofensiva e perdoável — embora decorrente de desobediência às leis e aos princípios constitucionais — é um equívoco gravíssimo da sociedade brasileira, que precisa com urgência rever seus conceitos e sua legislação.

Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul