Tags

,

Cheiro forte de urina nas alas, vasos sanitários entupidos, ralos com tampas retorcidas e soltas, pacientes sem calçado, piso escorregadio, rachaduras nas paredes e vidros quebrados.

Este é o cenário encontrado na tarde de ontem no Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, durante visita surpresa da Comissão de Educação, Saúde Pública, Juventude e Idosos da Câmara Municipal.

Faltam melhores condições de estrutura física e de funcionários: dos atuais 180 profissionais, a estimativa é de que seria necessário o dobro desse número para o cuidado adequado.

A unidade está sob intervenção da Prefeitura de Sorocaba desde janeiro deste ano, após determinação da Justiça por conta de denúncias de maus-tratos por parte da gestão anterior do hospital, que é privado.

Visitaram o hospital os vereadores Izídio de Brito (PT), presidente da comissão; o relator Pastor Apolo (PSB), o membro Fernando Dini (PMDB), e também o vereador Carlos Leite (PT).

Nas diversas alas – que possuem dormitórios, banheiros e pequenas copas para os 330 pacientes do hospital, havia forte odor de urina e falta de ventilação.

Os quartos possuem apenas pequenas janelas, sem qualquer ventilador ou sistema de circulação que amenizasse a sensação de abafamento do local. Muitos pacientes se encontravam descalços em meio ao piso liso e molhado, por conta também da chuva.

Alguns usavam chinelos ou tênis, mas não se via calçados espalhados pelos quartos, nem armários ou algum móvel nos quartos, onde pudessem estar os pares de quem estava com os pés no chão.

Em alguns cômodos, o interruptor não tinha espelho e os fios ficavam aparentes. Em vários espaços, janelas e portas estavam com vidros quebrados. Na despensa de alimentos, pacotes de farinha estavam vencidos.

Para impedir possíveis fugas, apenas dois funcionários por ala se dividem para cuidar dos pacientes. Não há cercas ou muros em volta do hospital, apenas vigias na portaria.

No início da manhã do último dia 16 de agosto, um paciente fugiu do local, foi atropelado na rodovia Raposo Tavares, e morreu.

Para Izídio, presidente da comissão, a situação é precária. “O atendimento é desumanizado, as condições de higiene são inadequadas, os pacientes praticamente sem cuidado.

Não acho que deva ser culpa dos funcionários, mas falta estrutura física e mais gente para cuidar dessas pessoas. Parece que a intervenção não surtiu efeito algum”, critica.

Segundo o vereador, um relatório sobre a visita será encaminhado à prefeitura, ao governo do Estado, ao governo federal e ao Ministério Público para cobrar providências.

O gerente administrativo hospitalar Agenor Scheutchuk, funcionário da prefeitura, admite que o local não tem segurança contra fugas e que não tem a melhor estrutura para os pacientes.

“Tem vários lugares por onde eles podem sair. Temos poucos funcionários para manter esse cuidado”, admite.

Para que as condições do local melhorem, o gerente acredita que seria preciso o dobro de funcionários.

São 180 profissionais trabalhando entre equipe técnica, médica, manutenção, portaria, limpeza e administrativo. Deste, há 72 enfermeiros, 5 psicólogos e 2 terapeutas ocupacionais.

“Isso vai ser resolvido através da contratação da Organização Social, porque nós agora estamos impedidos de contratar por determinação judicial”.

Scheutchuk avalia que as condições são melhores do que antes da intervenção. “Não existem mais alas sujas como havia antes, apesar de sermos poucos funcionários. A maioria dos pacientes está bem. Tem que melhorar, mas fazemos o melhor possível”, afirma.

Sobre a farinha de trigo vencida, o gerente administrativo diz que os mantimentos são comprados mensalmente e a quantidade adquirida não permite que os produtos vençam. “Não deveria ter nada vencido.

Pode ter acontecido algum problema, como ocorre em qualquer lugar”. Scheutchuk comenta que nenhum investimento foi feito por parte da prefeitura, apenas a manutenção da estrutura que já havia no hospital.

Quanto ao forte odor de urina, o gerente pontua que os pacientes não possuem o mesmo controle que as pessoas saudáveis. O problema não seria falta de limpeza, que é feita todos os dias de manhã e à tarde.

Intervenção e melhorias: A prefeitura tenta repassar a administração do Vera Cruz a uma Organização Social (OS), mas o edital de chamamento publicado em agosto deste ano foi suspenso por falta de propostas de interessados.

Segundo a Secretaria da Saúde (SES), algumas OSs já requisitaram sua qualificação junto à prefeitura; o Instituto Moriah seria a única aprovada até agora. De acordo com a SES, o custo médio mensal do hospital é de aproximadamente R$ 800 mil, com 48,75% desse valor repassado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o restante (51,3%) custeado pela prefeitura.

Sobre a visita, o secretário da Saúde, Armando Raggio, afirmou, durante coletiva de imprensa na tarde de ontem, que a contratação da OS para gerir o hospital deve ser definida ainda neste mês de novembro.

Raggio diz que há mais funcionários do que antes da intervenção, mas concorda que é preciso mais pessoas.

Ele destaca, porém, que até 2015 o Vera Cruz deve ser desativado por determinação judicial, assim como outros hospitais psiquiátricos.

Os pacientes devem ser direcionados para atendimento em Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e residências terapêuticas.

“Ao mesmo tempo, nós vamos contratar também as residências terapêuticas para essa instituição que vier a administrar o hospital”, prevê o secretário.

Quanto aos calçados, Raggio diz que todos os pacientes os possuem e que são feitas renovações com compras constantes.

Sobre a ventilação o secretário pontua que hoje as pessoas têm muito mais liberdade de movimentação do que antes, no regime convencional.

Para o enxugamento do chão, que se torna escorregadio, ele diz que a tecnologia para mantê-lo sempre seco está sendo substituída, com uso de um equipamento que já havia sido comprado antes da intervenção, e que não era usado.

Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul