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A discussão do que “a internet” pode fazer pela política, em suas diversas nuances, é um debate injusto com a própria internet. Primeiro, porque não há “a internet”; há, sim, uma variedade de apropriações sociais a partir de um dispositivo tecnológico tão versátil. Segundo, porque a internet não pode ser mais entendida como descolada da vida social das pessoas; não há o virtual e o real, palavras tão propagadas ao longo dos últimos anos.

Especificamente sobre as manifestações de São Paulo e do resto do país – que, imagino, todos já devem estar cientes e, portanto, não vale mais explicações a respeito –, incomoda-me uma redução que se faz hoje da internet para simplesmente “redes sociais”, como se só essas últimas existissem e fosse relevantes.

Claro que o “ponto de encontro” das manifestações é o Facebook ou o Twitter, é o locus da comunicação digital atual, transformando-se numa verdadeira plataforma: de um lado, é onde você se encontra com outras pessoas e, do outro, é de onde você parte para outras fontes de informação. Mas, no que tange aos protestos dos últimos dias, foi possível avaliar que essa premissa das redes sociais como plataforma comunicativa se acentuou.

Consequentemente, se as redes sociais funcionam dessa forma, verifica-se também a importância de outras formas de comunicação na internet, com funções específicas que contribuem para as manifestações de diversas formas.

Rodrigo Carneiro, levantou algumas funções da internet para a manutenção e a propagação de informações sobre as manifestações:

Alerta e informação – é a função mais simples e talvez a mais tangencial, isto é, por “informação” entende-se bastante coisa.

Mas, do ponto de vista da esfera pública, essa função tem a ver com aparelhar o cidadão com conteúdo diversificado a respeito de determinado assunto.

A pessoa lê diversas fontes, acompanha algumas hashtags, comenta eventualmente alguma coisa, passa a seguir alguns perfis, participa de alguma comunidade no facebook, visita sites e blogs que ela não tinha conhecimento, dentre outros.

Nesse caso, qualquer fonte digital pode ter a função de divulgar informação, seja ela uma fonte da mídia tradicional, seja de blogs e perfis de desconhecidos.

No caso do alerta, posts de blogs ressurgiram e passaram a ser compartilhados, como aquele que explica didaticamente como lidar com gás lacrimogênio ou aquele que mostra como fazer em casa uma máscara de gás.

Monitoramento – não só perfis do Twitter atuaram de forma a monitorar casos de violência ou os locais de manifestação. Alguns mapas colaborativos (como esse aqui e esse aqui) surgiram a fim de mapear e monitorar a localização exata dos protestos, com o intuito de informar o cidadão que queria participar ou àquela pessoa que poderia evitar ruas e avenidas próximas.

Seguindo minha premissa, as redes sociais funcionaram como plataforma de distribuição dessas informações, mas o verdadeiro conteúdo estava em blogs e mapas colaborativos.

O Tumblr ganhou bastante espaço nesse período e também funcionou como agregador de casos de violência, isto é, também teve papel no monitoramento dos excessos da polícia – e com o adendo de que é possível publicar fotos e vídeos no mesmo espaço.

As comunidades do facebook também tiveram essa função, uma vez que eram usadas para concentrar informação de interesse e monitorar outras manifestações ao redor do Brasil.

Protesto – essa função é utilizada largamente por pessoas que não têm interesse em se envolver diretamente nos protestos “físicos”, mas nutrem apoio às causas defendidas.

Por isso, podem compartilhar informações das mais diversas ou adotar addons em seus perfis nas redes sociais. Exemplo: bandeira do Brasil como foto principal ou algum “carimbo” pró-manifestação.

É uma forma de protesto tímida, é verdade, mas não deve ser desconsiderada. Afinal, mesmo sem estar presente a pessoa contribui para que aquelas informações ganhem mais visibilidade.

As hashtags também são utilizadas nesse sentido e são demonstrações de apoio (atenção para as hashtags do Facebook, recentemente lançadas oficialmente e que passam a ser uma forma de expressão a ser considerada).

Cobertura alternativa – essa forma de cobertura advém do viés tradicional da esquerda de que os meios de comunicação tradicionais são inimigos e não mostram a realidade. Logo, é preciso modos alternativos para mostrar a “verdade”.

Para essa função o Twitter parece ser o dispositivo ideal, já que tem como característica a instantaneidade e a facilidade de alimentação (140 caracteres).

Por meio das hashtags é possível acompanhar o que está acontecendo ao vivo durante os movimentos.

Vídeos passaram a integrar de alguma forma essa função, mesmo que timidamente. Como as conexões estão cada vez melhores (do ponto de vista dos últimos anos), já é possível fazer um vídeo e subir com mais agilidade – e, nesse sentido, não só o youtube deu as caras: o Vine, plataforma de vídeos do próprio Twitter e que só permite arquivos com no máximo 6 segundos, também foi utilizado por manifestantes. Sites de empresas jornalísticas também seguiram essa onda, como o Terra, que no domingo transmitiu ao vivo parte das manifestações no Rio de Janeiro.

Um pouco menos instantâneo, mas igualmente eficaz, os blogs são utilizados para cobertura alternativa e oferecem, geralmente ao final do dia, um relato mais detalhado dos acontecimentos.

Articulação em rede – o Facebook tomou para si essa função por dois motivos. Primeiro, é “onde” todos estão, desde cidadãos à entidades civis organizadas. Segundo, ele permite a criação de eventos e convocação de milhões de pessoas em poucos segundos.

Dessa forma, foi possível verificar a articulação rápida de movimentos e manifestações em diversas cidades do Brasil e até do mundo.

Os perfis, páginas e eventos correlatos se multiplicaram e ajudaram o movimento, que antes era pequeno e concentrado em São Paulo, a se articular sem aparente centralização ou qualquer tipo de controle.

Lúdica – pode até parecer uma função inferior, mas é preciso pelo menos levar em consideração os possíveis efeitos de conteúdo lúdico na política.

No caso das manifestações, alguns tumblrs surgiram nesse sentido, aplicando um filtro de humor a um assunto tão sério (como esse aqui).

Seja na publicação de charges, seja na publicação de fotos e montagens, esses tumblrs atuam pelo viés do entretenimento e são facilmente compartilhados pelas redes sociais.

Hacktivismo – é uma forma de ação política, mesmo que seja condenada por muitas pessoas.

No Brasil, o grupo Annonymous também tem representantes e, no período das manifestações, invadiu de perfis de Twitter a sites governamentais.

Estes últimos foram derrubados por um período, enquanto o perfil da revista Veja no Twitter foi “tomado” pelos ativistas e mensagens de apoio às manifestações foram postadas para mais de 2 milhões de seguidores.

Portanto, é possível verificar que diversos dispositivos digitais foram utilizados para dar força às manifestações, para protestar, para informar, para cobrir e tantas outras funções.

Sites de redes sociais, embora grandes agregadores de pessoas, não fazem sozinhos tudo que é possível nem tudo o que as pessoas querem fazer.

Outras formas de comunicação são necessárias para dar conta da demanda cidadã por ações informativas que seguem lógicas diferentes. Monitorar sites como Twitter e Facebook é uma ferramenta importante para entender a dinâmica das conversações em rede – como fizeram esses dois posts aqui e aqui.

No entanto, a dimensão da circulação da informação é diversa e requer mais estudos que contemplem que conteúdo é esse e qual sua importância para a política em contextos democráticos.

Fonte: Rodrigo Carreiro é doutorando em comunicação e cultura contemporâneas, na linha comunicação e política (UFBA) e pesquisador do CEADD.

Artigo divulgado em http://www.ceadd.com.br/os-varios-papeis-da-internet-durante-as-recentes-manifestacoes-no-brasil/